
O Transtorno do Espectro Autista (TEA) é um transtorno de neurodesenvolvimento, geralmente identificado ainda na infância. Ele se caracteriza por comprometimentos na comunicação e na interação social, bem como por padrões restritos e repetitivos de comportamento, interesses ou atividades.
De acordo com um artigo da PUCRS, entre os quadros comumente associados ao TEA, a seletividade alimentar ganha destaque, já que está presente em 40% a 80% das crianças diagnosticadas.
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O que é a seletividade alimentar
A Sociedade Brasileira de Pediatria define a seletividade alimentar como a recusa ou preferência por alimentos com cores, cheiros, sabores, texturas e consistências específicas.
Ou seja, o indivíduo tende a escolhercertos grupos alimentares e rejeitar um ou mais alimentos, tornando o repertório alimentar restrito. E isso não se deve a nenhuma causa evidente, como alergias ou intolerâncias.
Estima‑se que um terço dos bebês apresente algum grau desse comportamento, mas ele pode se estender para outras fases da vida, inclusive entre adultos.
De acordo com a Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, ela é classificada como um Transtorno Alimentar Restritivo Evitativo (TARE), que muitas vezes leva à ingestão limitada de nutrientes e vitaminas, podendo comprometer a saúde física e emocional.
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Por que a seletividade alimentar é comum em crianças com autismo?
A hipersensibilidade sensorial típica do TEA é o que mais explica a elevada frequência de seletividade alimentar nesse grupo. Isso significa que a percepção acentuada de cheiros, cores, gostos e texturas pode tornar a hora da refeição um desafio.
Além disso, padrões e rotinas rígidos, que também são característicos do espectro autista, dificultam a introdução de novos alimentos, pois mudanças inesperadas acabam gerando ansiedade e resistência nesses indivíduos.
O artigo da PUCRS aponta ainda que outros fatores podem contribuir para o quadro, como experiências negativas — engasgos ou desconfortos digestivos — e preferências por características específicas, como cores, texturas ou temperatura dos alimentos.
Um estudo publicado na Revista da Associação Brasileira de Nutrição com 73 crianças e adolescentes com TEA reforça esses apontamentos: 53,4% dos participantes apresentavam seletividade alimentar. Os motivos para as recusas de determinados alimentos estavam relacionados principalmente:
- ao odor (56,4 %)
- à textura (53,9 %)
- à aparência (53,8 %)
- à temperatura (51,3 %).
Os autores também observaram que a maioria (84,9%) apresentava preferência por algum alimento específico, sendo arroz, feijão, batata frita e bolachas os mais citados.
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Consequências da seletividade alimentar em autistas
Em muitos casos, essa seleção de alimentos feita pelas crianças e adolescentes combinam comidas pouco nutritivas e com alto teor calórico, elevando assim o risco de obesidade e de condições crônicas na vida adulta, conforme aponta um estudo disponível na Revista Brasileira de Obesidade, Nutrição e Emagrecimento.
Os níveis de obesidade infantil estão crescendo em todo o mundo, inclusive entre crianças com TEA, que já se encontram com altas taxas de sobrepeso ou mesmo com a obesidade diagnosticada.
Paralelamente, o mais comum é que a restrição de alimentos leve a déficits nutricionais, como de vitaminas e minerais essenciais ao corpo – ferro, cálcio, zinco, vitamina D, entre outros.
A ingestão inadequada desses nutrientes afeta o sistema imunológico, o desenvolvimento ósseo e até funções cerebrais relacionadas a aprendizado, concentração e memória.
Nas pessoas com TEA, os efeitos também impactam ainda mais a saúde mental, os comportamentos e a vida social.
Carências nutricionais dificultam a regulação emocional, aumentando as crises de irritabilidade, a ansiedade e a tendência a padrões repetitivos e não adaptativos. Além disso, a resistência a experimentar novos alimentos pode gerar estresse durante eventos sociais e limitar a autonomia alimentar até mesmo na vida adulta.
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É possível tratar a seletividade alimentar?
A intervenção multiprofissional é a estratégia mais eficaz, envolvendo nutricionistas para adequar o cardápio, psicólogos para apoiar os aspectos comportamentais e emocionais junto de fonoaudiólogos, que auxiliam nos processos de mastigação e de deglutição.
Oficinas sensoriais ou terapias que trabalham esses estímulos para que a criança manipule, cheire e experimente alimentos inicialmente rejeitados podem ajudar a reduzir a aversão, ressalta a Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
Porém, a participação familiar é indispensável em todo o processo, pois a constância das práticas no dia a dia determina o sucesso do tratamento. Para isso, é essencial que pais ou responsáveis:
- criem ambientes alegres para a hora das refeições, evitando pressão ou punições diante de recusas;
- diminuam as distrações, como o celular e a televisão, para levar o foco e atenção à comida;
- façam refeições em família, servindo de exemplo;
- variem a apresentação dos pratos em cores, texturas e formas de preparo para uma experiência mais atrativa;
- ofereçam alimentos para contato visual e tátil, sem exigir a ingestão até que a criança se acostume;
- incentivem o contato e a interação com a comida de forma lúdica e divertida;
- respeitem o tempo da criança, com acolhimento e paciência.
Um acompanhamento médico regular, que permite ajustes nas abordagens e prevenção de deficiências nutricionais, junto do apoio e motivação da família podem reverter a seletividade alimentar e garantir crescimento e desenvolvimento adequados e saudáveis para as crianças com transtorno de espectro autista.
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