Renata Righi Paulella é sócia da LR Agente Autônomo de Investimentos, atuante do mercado financeiro desde 2001 e certificada CFP® – Certified Financial Planner™.
Sciath: Nós temos acompanhado as notícias de instabilidade do mercado financeiro. Por que o avanço de uma doença impacta tanto no mercado?
Renata Paulella: Na verdade, o vírus em si não é o grande problema. A questão é que hoje temos uma cadeia produtiva e econômica integrada. E a crise se torna uma crise de produtividade. Você vê a China, ela ficou parada por causa do COVID-19. E a China parada impacta muito porque ela é uma das grandes parceiras de negócios no mundo todo. Então, a Bolsa [de Valores] e as economias são afetadas por conta disso. No Brasil, especificamente, há uma dependência muito grande da China e nós já vínhamos sentindo a volatilidade por conta dos conflitos comerciais entre a China e os Estados Unidos. Fora isso, a gente ouviu empresas que começaram a divulgar resultados esperados menores, por falta de componentes que vinham da China para atender a demanda. É uma cadeia produtiva interligada, que afeta a produção, a logística, o consumo… e por isso o mercado financeiro fica tão instável.
S: Você fala que nós já vinhamos sentindo a crise até por conta dos conflitos entre Estados Unidos e China. E neste momento, em que estamos enfrentando quarentenas, políticas de trabalho remoto e outras mudanças. Pode dar exemplos de como isso afeta o mercado?
R: Nós já vinhamos sentindo o mercado balançar por conta da guerra comercial da China com os Estados Unidos. O mercado financeiro reage a incertezas. Quanto mais imprevisível o cenário, maior a volatilidade dos mercados, e isso quer dizer que maior é o risco. Em termos práticos, as quarentenas e isolamentos sociais ajudam a conter a propagação da doença por um lado, mas impactam o setor produtivo por outro. Muitas empresas estão precisando dispensar os funcionários, ou trabalhar com jornadas reduzidas. A princípio para ajudar a brecar a contaminação da população, mas num segundo momento será por conta da baixa demanda, fruto dessas ações. Se todos estão em casa, se as empresas estão reduzindo a produção, se os consumidores estão consumindo menos, espera-se que logo a demanda seja menor e o resultado disso é a desaceleração da economia. O setor de serviços, sofre com a baixa demanda. Restaurantes, lanchonetes, lavanderias, agências de turismo, salões de beleza, entre tantos outros perdem receitas por conta da população estar isolada em casa. Isso pode gerar também uma onda de inadimplência, pois se a receita diminui, a capacidade de pagar as dívidas também se reduz, tanto das pessoas físicas quanto das empresas. Por isso o Governo e o Banco Central têm atuado para jogar liquidez no mercado, e aprovado medidas como empréstimos pelo BNDES, postergação do pagamento de parcelas dos financiamentos, redução do compulsório dos bancos, antecipação do 13º dos aposentados, adiantamento do abono salarial etc. Tudo isso para tentar evitar uma crise de crédito que pode vir a acontecer dependendo de quanto tempo demorar a quarentena.
S:
Voltando ao comportamento do mercado, como essas mudanças podem afetar os
rendimentos?
R: Se você tem uma pandemia, mas
tiver uma previsão de que ela vai começar a regredir, por exemplo, a tendência é as Bolsas reagirem positivamente.
Mas quando há incertezas, os mercados
balançam e muitas pessoas começam a ficar em pânico. Com isso, começam a sair do mercado por reação à imprevisibilidade. Passa a
existir um fluxo migratório para ativos mais seguros, como o ouro, por exemplo.
Nessa hora, os “gringos” – como chamamos os investidores internacionais,
desinvestem em economias emergentes,
como a nossa, e mandam para ativos com menos riscos. Isso já vinha acontecendo
nos últimos tempos, por conta das quedas de juros no Brasil. Por isso vimos o dólar
subindo desde o ano passado. Esse ciclo gera um novo risco de pessimismo
interno e, mais volatilidade para o mercado.
S:
E como esses impactos chegam aos planos de Previdência, por exemplo?
R: O produto Previdência Privada é um misto de seguro e investimento.
A parte “investimento” é o fundo escolhido para rentabilizar a sua reserva,
entre tantos disponíveis no mercado, dos mais conservadores aos mais arrojados.
A parte “seguro” é a possibilidade de transformar em renda, indicar
beneficiário em caso de óbito do titular, o beneficiário receber a reserva sem
passar por inventário, entre outros. Diferentemente
de um fundo de investimentos cujo objetivo básico é rentabilizar o patrimônio
dos participantes, a Previdência Privada tem características que buscam, além
disso, incentivar a formação de poupança para utilização no longo prazo (como,
por exemplo, a tributação, liquidez, taxas e outras como as citadas
acima). Essa combinação deixa o produto
com características de longo prazo,
que responde de maneira diferente neste momento. Tanto pelo fato de a cabeça do
investidor desse tipo de produto já ser preparada para não contar com esse
recurso no curto prazo, portanto não sofrendo tanto com as oscilações dos
mercados, quanto pelas regras e limites de exposição ao risco impostos pela
SUSEP [Superintendência de
Seguros Privados] como por exemplo: limite de alocação por categoria, limite de
alavancagem, limite de alocação por emissor e por tipo de ativo. Isso faz com
que os impactos sejam menores nesses produtos, comparativamente com os fundos
que não são de previdência e não precisam obedecer esses limites da SUSEP. Ou
seja, quando o momento for de ganho, esse fundo de previdência pode ganhar
menos, mas em situações voláteis, como as de hoje, ele vai perder menos também.
S: E como
trabalhar isso com quem tem interesse em obter a Previdência?
R: O que faz mais sentido é compreender o perfil de quem tem
interesse por um produto. Quando se pensa em Previdência hoje em dia, o que vem à cabeça é aposentadoria. Mas existem perfis
muito amplos. É preciso estar ciente de que quem compra Previdência Privada pensa
em longo
prazo. É um dinheiro do qual ele não vai ter que dispor amanhã. Se ele tiver
isso em mente, fica mais fácil
segurar essa onda de pessimismo. Outro ponto é que a gente acompanha essas
crises, estuda e observa que a recuperação vem em médio e longo prazo. Os economistas
dizem que a recuperação ocorre geralmente em forma de V [queda brusca seguida
de recuperação acentuada]. E quem tira tudo dos investimentos no pânico pode perder
essa volta. Existem investimentos em que as pessoas entram para operar, ganhar
na especulação. Mas quando a gente fala em Previdência, está falando em planejamento,
objetivos de longo prazo
S: Você citou que é importante compreender o perfil de quem opta por Previdência e alinhar com esse investidor que dinheiro do qual ele está dispondo para isso deve permanecer ali por um prazo mais longo. Isso vale, inclusive, para que ele se beneficie do incentivo fiscal, certo? Pode explicar como funciona?
R: É importante conhecer o perfil para qualquer produto, seja de seguro, seja para investimentos. Quando falamos de Previdência Privada, mesmo esse produto tendo várias aplicações como: aposentadoria complementar com contribuições mensais, planejamento sucessório, reversão da reserva para o beneficiário quando do falecimento do segurado, utilização de diferimento fiscal (…) todas estas geralmente já nos remetem ao longo prazo. Independentemente do tipo de estratégia escolhida para rentabilizar o produto (um fundo mais arrojado ou um mais conservador), a Previdência Privada tem características de longo prazo, por exemplo, na forma de tributação da reserva acumulada. Tanto um PGBL, quanto um VGBL podem ter a tributação progressiva, que utiliza a tabela de Imposto de Renda para ajuste anual, ou o regime de tributação regressiva (ou definitiva), que pode chegar à alíquota de 10% de Imposto de Renda (após um período de 10 anos). Existe também o diferimento fiscal para PGBL, que possibilita deduzir até 12% da renda bruta anual tributável, no Imposto de Renda, caso o cliente opte por fazer a declaração completa.
S: Ainda sobre Previdência e a imprevisibilidade do mercado, você diria que vale a pena investir?
R: O mercado de Previdência Privada no Brasil vem se sofisticando e ganhando mais destaque nos últimos anos. Os produtos de previdência privada são regulados pela SUSEP e possuem regras e limites rígidos. Portanto, sim, entendo que seja um produto importante para fazer parte de uma carteira de investimentos diversificada. Percebemos a importância da diversificação e do longo prazo, principalmente em momentos de alta volatilidade e imprevisibilidade do mercado. Esse produto não é trivial, ele pode ser uma ótima ferramenta de complemento de aposentadoria, investimentos ou de uma estratégia de planejamento sucessório, desde que seja vendido com transparência, por profissionais especializados, que entendam as características da Previdência Privada e o perfil do cliente, e deixem claro esses aspectos ao investidor. Uma venda bem feita desse produto faz toda a diferença para o conforto do cliente com as oscilações que os fundos podem vir a sentir num momento de crise global, como esse que vivemos hoje.
S: É possível fazer uma projeção ou falar em expectativas para o mercado para os próximos meses?
R: Essa é a pergunta de um milhão. Se a gente soubesse quando vai
voltar, as coisas se estabilizariam. A China está reportando a redução da contaminação. Em contrapartida, a Itália ainda vive um momento difícil e, embora o número
de óbitos registrados sejam menores a cada dia, ainda são de
aproximadamente 600 diários. O que a gente vê é que
as respostas para a disseminação da doença estão chegando mais rapidamente e isso é positivo. O isolamento social tem sido utilizado ao redor
do mundo e tem se provado eficiente para conter a disseminação. Também já temos
esperança sobre medicamento e o mundo todo está trabalhando para viabilizar a
vacina. Por isso alguns especialistas e economistas esperam uma retomada da
economia mundial nos próximos 6 meses, alguns mais, outros menos, mas é impossível prever. Existe
ainda muita incerteza e, que haverá uma desaceleração grande do PIB mundial,
isso é consenso. Vivemos em um mundo globalizado, numa cadeia produtiva
interdependente e, no caso do Coronavírus, existem as quarentenas e lockdowns, que atrapalham a
produtividade nos países.
O que se pode dizer neste momento sobre investimentos é: se você é um investidor
experiente, entende os riscos e aguenta a volatilidade desses mercados, é hora de comprar ativos de riscos, que ficaram mais
baratos. Quem está sofrendo é quem entrou em um risco que não combina com o seu perfil
de investimentos, e que precisa dos recursos no curto/ médio prazo. Nesses
casos sim, pode fazer sentido sair, realizar a perda e buscar investimentos
mais conservadores.